quinta-feira, 5 de março de 2020


A vida pública na Berlinda
Sérgio Arruda de Moura 24 de janeiro de 2019
N
ão é mais novidade o poder que tem hoje a mídia propagada pela internet e a fabulosa cultura que ela vem criando. Hoje, o grande olho mágico, instalado nos i-phones, construirá a civilização do futuro. O futuro, então, já começou. 
Hoje, um cidadão só fica à deriva dos acontecimentos se for do seu agrado. Também não pense o cidadão candidato a um cargo público que a sua vida vai ser fácil.  Que o diga o clã Bolsonaro, que está encarando, e muito mal, o inferno na terra. Arrogante e presunçoso, ungido por votos, o clã e seus apaniguados pensaram ter chegado ao Nirvana político brasileiro onde, até recentemente,  não se precisava dar satisfação alguma dos atos. Mas, eis que, tão poderosas quanto eles próprios e o STF, irrompem com todo vigor na cena política uma senhora escrachada chamada Opinião Pública, além de uma garota impertinente chamada Ideologia.
Quanto mais elas são negadas, mas aparecem. A tal Ideologia é tão impertinente e intransigente, que aparece mesmo quando não é chamada nem suposta. Com seu viés, assume a carga maior de tudo quanto o presidente tenta dizer e não consegue, com seu léxico de ginasiano em recuperação em todas as matérias. 
Assim, na boa, finalmente um analfabeto funcional chegou ao mais alto posto da nação. E foi Opinião Pública quem assim quis, auxiliada pela Ideologia, no mesmo dia em que se embriagaram de tal forma que até hoje procuram se recompor, tentando entender o que houve.
A inocência sórdida que o presidente quer marcar sua imagem nesta viagem a Davos saiu como um tiro no pé,  e ele volta ainda mais manchado do que foi. A cena do rapazinho humilde almoçando num bandejão enquanto 60 chefes de governo discutiam rumos para as nações não deixa duvida: não é só o presidente que não sabe onde está! É toda a comitiva, o ministério inteiro, seus assessores, sua bancada no Congresso, todos quantos não viram na cena patética um atestado déficit cognitivo. A presunção de poder quando se ausentaram da coletiva à imprensa assim se confirma.
O governo hoje se parece com o live show Big Brother, no qual desconhecidos fazem de sua vida íntima uma vitrine tentando com isso algum dividendo lá adiante, na ilusão de que suas opiniões, seus gostos, suas falas são espontâneas, livres, sinceras. No final, voltarão ao anonimato que tanto odeiam e do qual querem se livrar hipotecando, às vezes,  até a própria dignidade.
Já sabíamos,  mas agora sabemos de fato, que o então candidato Bolsonaro em campanha,  fugia de sua própria burrice e ignorância. O apego retórico a frases reincidentes e vazias já que ele agora tem de falar alguma coisa, qualquer coisa quando confrontado publicamente, dá a ideia exata de outro dos seus analfabetismos, o político. Toda a responsabilidade de seu "governo" está nas mãos do triunvirato Guedes-Moro-Veles, sendo que ao próprio só sobrou o posto de rainha da Inglaterra ou do príncipe Hiroito, que quando saem à rua, só  precisa acenar, de boca fechada. O alienado, quando a abre, constrói frases tão contraditórias quanto ele. Quando espremido em Davos pelo entrevistador, ele soltou a seguinte lorota de sua bolsa coletora: "Em pouco tempo, fizemos um retrospecto do futuro do Brasil". 
Sorte ingrata, ou aqui se faz aqui se paga, nem à rua este nosso governante terá coragem de se expor. Os últimos bolsomínions nos pedem pra torcer pra que seu governo dê certo, se não por cada um, pelo menos pelo bem coletivo que é o Brasil. Respondo que torço pela Mangueira, pelo Náutico e pela Pitombeira dos Quatro Cantos, de Olinda. Que não é de torcida que o país precisa, mas de um plano minimamente inteligível, de uma agenda pública, de uma ação transparente e de vergonha. De soberania.
Boa parte do seu staff vive pendurado em gafes monumentais, por ministros que parecem terem lido só a Bíblia – e mal. Que levaram para a vida pública suas pequenas misérias como se padrão fosse. Que zombam da ciência como se dela prescindissem. Que provavelmente acham que o milagre da medicina hoje fosse de inspiração bíblica e não científica. Que um avião e uma sonda exploratória espacial fossem resultado de alguma deixa exarada das Escrituras. Que a nanotecnologia foi soprada da boca de anjos. Enfim, mas não finalmente, que nada houve de relevante desde quando os profetas se retiraram das narrativas de fundação da cultura hebraica.
Com livros de autoajuda não se constrói um governo, nem com ódio, nem com intolerância.  Mas isso, o atual governo não sabe ainda. A ideia de comando político que cada um construiu para si está aquém da civilização. Já retrocedemos para bem além da Idade Média, minha querida Idade Média, quando a liberdade de pensamento e criação foram germinadas, quando a igreja foi gentilmente convidada a cuidar dos seus próprios assuntos e não do Estado.
O bom de tudo-isso-que-aí-está é o aprendizado que, fatalmente, se construirá. Menos para quem não quiser, evidentemente, quem se magoar profundamente e decidir se manter firme na alienação política só para não dar o braço a torcer. Não vejo hipótese de algo de bom florescer a não ser uma consciência crítica e política que haverá de ser construída a duras penas.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Ouro do Olimpo


N
em bem a primeira medalha saiu nesses jogos olímpicos do Rio, e os memes nas redes começaram a pular. Em um deles, Temer liga para Rafaela Silva para lhe parabenizar pelo golpe – golpe sobre a judoca mongolesa que, em 4 minutos, lhe conferiu a primeira medalha de ouro. Em outra piada, se diz que o PT mandou eliminar dos jogos todas as modalidades esportivas em que se ganha por golpe. Mais memes apareceram, mas não apenas isso. A menina da Cidade de Deus, Rafaela Silva, não teria precisado de cotas, nem disso, nem daquilo – só do seu empenho, talento, determinação. E respeitar as regras do judô, desrespeito acidental que lhe custou a desclassificação em Londres, há 4 anos, e que lhe rendeu muito desestímulo.
Meu cunhado, petista até os dentes, tratou de relacionar a medalha da judoca a uma bolsa atleta federal, criada por Lula. Sem essa ajuda, a medalha não teria vindo. Sua prima, que é antipetista até os ossos, acha que foi o acolhimento no projeto Reação (ops!), do ex-atleta Flávio Canto para que ela recuperasse a carreira. Mas também foi mérito do seu abnegado técnico, que atuou de forma decisiva. No final, uma medalha é resultado do esforço de uma equipe inteira. No caso brasileiro, nem sempre de uma política nacional decisiva para os esportes.
Tal contenda me trouxe à memória o valor que tem uma medalha, principalmente no plano político das nações.
As Olimpíadas nos anos 60 a 80 provam bem isso. A antiga União Soviética via na conquista de uma medalha a supremacia da ideologia socialista no plano mundial. Cada medalha tinha um vínculo sanguíneo com doutrinas ideológicas. Os EUA, em contrapartida, se esmeravam na profissionalização dos seus atletas e também lucrava ideologicamente. Basta lembrar, que o mútuo rancor era tanto, que os jogos de 1980, tendo se realizado em Moscou, não viu um só atleta americano – boicote total. Em revanche, as de 1984, em Los Ângeles, não viu um só soviético, embora os atletas das demais nações comunistas como Alemanha Oriental, Romênia, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Polônia e sua vizinha Cuba não faltaram e deram o recado da supremacia física e moral de virtuosos atletas engajados.
O mundo naquelas duas décadas era emoldurado pelos conflitos – os falsos e os verdadeiros – da chamada Guerra Fria, originada do estranhamento das duas únicas potências de então: os americanos e o capitalismo de um lado, e a União Soviética e os países da Cortina de Ferro e o socialismo de outro. E foram os socialistas que saíram vitoriosos no quadro geral das medalhas.
Em Montreal, por exemplo, em 1976, do total de 433 medalhas (de ouro, prata e bronze) conferidas, 321 ou 74% foram conquistadas por eles.
Já nós brasileiros, sempre ficamos em tímidas posições, lá pela 20a posição no ranking da tão sonhada e desejada dos atletas.
A história política, digamos assim, dos jogos, é repleta de acidentes trágicos, negando o espírito olímpico sonhado pelo Barão de Coubertin, o responsável pela reinserção dos jogos na era moderna, remontando ao sonho grego de harmonização entre os estados.
Em 1972, o fantasma do terrorismo deu o tom políticos aos jogos, em Munique, na Alemanha Ocidental. Na madrugada de 5 de setembro, guerrilheiros palestinos invadiram os apartamentos dos atletas israelenses e os fizeram reféns. Em troca exigiam a libertação de palestinos presos em Israel. O saldo trágico foi de 17 mortes, dos quais cinco atletas, além de seis treinadores, um policial e cinco membros do atentado que ficou conhecido com Setembro Negro.
As Olimpíadas de Berlim, em 1936, também foram violentas, embora uma violência mais simbólica do que cruenta. Adolf Hitler era o chanceler da Alemanha e queria com os jogos mostrar a uma só vez o poder da Alemanha e a supremacia da raça ariana. Mas também tinha que mostrar que o partido era bom, tolerante, essas coisas que se faz com pancake e gomalina. Para remover as marcas do caráter racista, não só Berlim, mas toda a Alemanha foi “higienizada” por iniciativa do partido do governo, que prontamente mandou cessar as campanhas antissemitas mais visíveis. Até aceitou judeus nos seus quadros de atletas. O golpe mesmo foi desferido quando o atleta negro americano Jesse Owens, descendente de negros escravizados não só abateu a suposta supremacia de velocistas arianos, como bateu recordes.
Enfim, os jogos olímpicos, nas cidades onde ocorrem, costumam deixar saldos positivos, tais como melhorias, benfeitorias, mobilidade, transporte, ginásios e estádios, que se transformam depois em escolas, além do sentimento de ter mobilizado tanta gente em torno de uma causa civilizatória e hospedar a diversidade cultural e política do mundo, num esforço também de paz.

Esperamos sinceramente que tudo isso venha como saldo positivo nestes Jogos no Rio de Janeiro, já na sua primeira semana. Que o ouro do Olimpo nos dê dignidade. 
(Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, RJ, 12 de agosto de 2016)

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Todos mexem com ela


S
empre nos surpreendemos quando nos deparamos com alguma coisa que nos faz lembrar outra. Quer dizer, quando lemos um poema, um romance, quando assistimos a um filme, ou vemos um quadro, que trazem claros vestígios de um outro anterior, temos a sensação de que há ali mais do que um poema ou romance, mais do que um quadro ou um filme: há um propósito reflexivo sobre o papel da arte e do estatuto criador do artista .
Foi isso o que fez o artista pernambucano Perron Ramos quando, numa série de cinquenta telas em que ele revisita os clássicos, não deixou de fora ela, a Mona Lisa, ou La Gioconda, de Leonardo Da Vinci. 
A Mona Lisa de Perron agora faz parte desta imensa galeria crítica de reinscrição intertextual de uma tela clássica. Nordestina e solar com seus adereços de vaqueira, trazendo os vestígios da Mona Lisa do mestre do Renascimento italiano, o artista retoma a história reconstruindo o universo da arte. Entre o original e esta mais nova versão, existe um intervalo de 500 anos de história e de transformação do estatuto da arte, do artista, da história, do mercado da arte. 
A Mona Lisa se mantém aqui sorrindo enigmaticamente, desafiando artistas e pessoas de todos os tempos a entrarem no seu fascínio.
Mas o artista nunca copia, ele estiliza, se apropria da inspiração do outro, rebate, dialoga com ele repercutindo a tradição. Um artista cria, um escritor escreve, porque muitos outros o fizeram antes dele. É assim desde os mais remotos tempos. Mesmo Homero, quando versejou A Ilíada e A Odisseia, retomou uma história que se perpetuava nas tradições orais, dando conta da mítica história do povo grego. Estas epopeias foram (e ainda estão sendo) retomadas constantemente por poetas e ficcionistas desde quando apareceu há cerca de dois mil e seiscentos anos, num incessante jogo de interpelações dialógicas.
Os professores de português encarregados que são de ensinar seus alunos a apreciarem e a interpretarem textos e demais objetos artísticos, estudam o fenômeno intertextual para enriquecerem suas aulas. Hoje em dia, 10 entre 10 livros didáticos de português se dedicam a dissecar o fenômeno intertextual como resposta a esse desafio. Diz a teoria: um texto é sempre absorção de outro texto. Só atribuímos sentido a uma paródia, ou seja, só compreendemos plenamente uma paródia se conhecermos antes o texto que é parodiado.
A intertextualidade foi difundida no mundo acadêmico na França nos anos 1960, e cá chegou quase que imediatamente. A teoria explicava os processos de assimilação de uma obra em outra e apareceu em boa hora, porque com ela se procurava explicar a avalanche intertextualizante que havia tomado conta dos processos criativos desde as vanguardas do início do século XX até os nossos dias.
Todo autor, eu diria, tem uma obra inacabada, que remete à outra, que discute suas estratégias de produção. Um dos conteúdos da arte é o de sua própria história se fazendo. O artista discute os rumos da arte como conteúdo inspirador, procurando dessa forma um pertencimento ao campo da criação.
Seria o caso de perguntar: Por que os artistas sempre se sentirão tocados e mexidos por esta doce e enigmática moça de sorriso contido desafiando todos ao seu mistério? O fato é que esta não é a primeira nem a última vez que um artista mexe com ela.
                                             Publicado originalmente em 8/7/2016 na Folha da Manhã, de Campos dos Goytacazes/RJ



segunda-feira, 4 de julho de 2016

Meio do ano



M
eio trôpego, o ano vai chegando ao meio. Ainda bem que junho é uma beleza de mês – o que mais merece uma ode, um poema, um recital.
Talvez uma epopeia – mas não.
A epopeia é muito tempestuosa, cheia de sobressaltos, exige muito esforço e luta, confrontos entre homens e entre esses e os deuses – e os deuses não são nem um pouco pacientes nem complacentes com os luxos humanos, ainda mais em dias curtos e amenos.
Talvez mereça uma tragédia. Mas, nem pensar – também não vai bem com o mês de junho. O drama trágico é muito cerebral, argumentado excessivamente, processual, insinuante, cheio de ardis semânticos na busca das razões civis dos homens.
Não. Nem sentidos épicos nem trágicos para o mês de junho. É melhor deixá-lo com a suavidade da lírica, com a cadência dos metros e com a sonoridade das rimas.
Não foi a toa que Júpiter escolheu Juno como esposa – o que acabou lhe rendendo uma vaga honrosa na eternidade mítica de Cronos.
Em tempos idos, quando não chovia muito nem pouco, era em junho que nos demorávamos mais dentro de casa. Desde a manhãzinha na cama mais um pouco, à mesa do café mais demoradamente até à tardinha à janela apreciando a chuva mansa, os vidros embaçados, o entardecer caindo mais cedo, as pessoas lá fora, encorujadas num canto, esperando o tempo passar, ficávamos mais livre para nos ocuparmos de nós mesmos. E ninguém esperava o verão, e cultuavam o silêncio e a falta de pressa dos dias curtos.
O silêncio da noite é ainda mais assombroso e revelador. É quando a chuva fina tamborila nas calhas e depois cai delas em pequenas cataratas no chão – sonoras embalando o sono. É o tempo pra pensar e sonhar, misturando-se só porque é junho.
Em noites de insônia, é a orquestra dos sapos coaxando nos alagados, dando a impressão de que estão longe, mas que estão perto, envolvendo-nos na natureza da música, fazendo real o sonho. É só nas longas noites de junho é que comungamos mais de perto a natureza.
As fogueiras para São Pedro, e antes delas as de São João e Santo Antônio, longamente esperadas, eram só preocupação porque não podiam vir com chuva.
“Por favor, meu santo, faça com que não chova. Quero soltar os meus fogos ao pé da fogueira!”.
E não é que, por alguma força estranha, acabava não chovendo nas noites de festas? Mas, à menor ameaça, nós as cobríamos com plásticos pretos para que a lenha mantida seca cumprisse seu destino de fogo.
O esforço valia a pena, e assim que as chamas cobriam o negrume da noite sem energia elétrica e sem lua no céu quase que permanentemente nublado, o tempo parado começava a andar, com as toras se consumindo. Uma façanha era apanhar os gravetos acesos de brasa nas pontas para inscrevermos no ar escuro arabescos de luz e também escrevermos “Viva São João!”.
Que espanto: os foguinhos de artifícios tinham pólvora dentro do papel que a embrulhava: um mistério como explodiam! Acendíamos a partir de uma vela e tínhamos que ter muito cuidado para não explodir nas mãos. Os menores acendiam inofensivos pés-de-galinha e estouravam no chão os traques-de-sala. Os maiores reclamavam bombinhas, e tinham que soltá-las longe para não assustarem os mais velhos. Jogávamos também as bombas dentro da fogueira, e o estouro a fazia desabar um pouco. Que alegria!
É por essas e tantas que junho não é apenas um mês, mas a morada dos santos: Pedro, a pedra; João a inscrição; e Antônio a permanência na fé e no sacrifício. Ainda temos São Luiz Gonzaga e São Paulo acolhidos em junho, mas esses fazem pouco caso de festas e se mantêm dormindo. Meus tios se chamaram Pedro, João e Antônio, mais José, e hoje, receio que os meninos se chamem Maicon, Anderson, Jonatas. Outros tempos, outras tradições.
Suspeito que foi numa madrugada de junho que vi pela primeira vez a estrela da manhã, que também é a da tarde, apontada no céu já claro pela minha tia Letícia – e eu, ainda muito pequeno, tive minha primeira lição de astronomia. Mais tarde, concluí que foi aquela mesma que inspirou Bandeira a compor a sua estrela: “Vi uma estrela tão alta, vi uma estrela tão fria, vi uma estrela luzindo, na minha vida vazia”. O poeta reclamava da distância e da frieza da estrela, e que ela não baixava para lhe fazer companhia e dar-lhe uma esperança mais triste ao fim do seu dia. Estava lá no livro de português o poema sobre a estrela, e eu nem me perguntei sobre a causa de uma vida vazia. É que a minha era plena de esperança e de quase felicidade.
Junho é o mês mais colorido de todos e o mais galantemente doce – eu que não me esbaldo em açúcar. Talvez seja assim porque chegue em sucessão a maio. As safras generosas do milho são abundantes e foram gestadas entre José e Pedro, passando por Antônio e João.
Chovia em junho e nos deslumbrávamos. Informávamos cheios de notícias: “Está chovendo!”. “Está no tempo delas”, respondiam os mais velhos.

A vontade é que junho se demore um pouco mais.
(Publicado n'A Folha da Manhã, de Campos dos Goytacazes/RJ, em 3/6/16.

Crônicas Infringentes



Há quatro anos, tenho me dedicado ao exercício da escrita em jornal diário. A experiência é das melhores, já que o exercício de escrever é dos mais gratificantes que posso conceber, aliado que é da própria leitura. Escrevemos porque lemos. 
Todas as semanas durante todo esse tempo, venho me dedicando a buscar uma ideia, dar-lhe contornos, amadurecê-la, pesquisá-la em arquivos pessoais e digitais, nos livros, no noticiário e na imprensa – mas fundamentalmente na minha memória – fatos, episódios, lembranças, intuições, desconfianças que pudessem figurar como uma crônica, um artigo, uma resenha, um editorial, uma crítica, mas fundamentalmente uma crônica, gênero pelo qual tenho a mais alta estima no mundo das letras. Como nunca conseguimos nos organizar no caminho que escolhemos, considero essas crônicas um tanto degeneradas (sem gênero), buscando textualidade e discursividade em diversos expedientes e estratégias. O resultado tem sido algo que resolvi chamar de Crônicas Intransigentes. Com esse título, queria corresponder à dimensão de vozes e pontos de vista que cercam um problema, tentando envolver todos num só abraço textual.
Assim, têm sido semanas e mais semanas dedicando-me ao ofício da escrita, tentando estabelecer um texto que fosse uma crônica, uma resenha, um artigo, uma confissão, qualquer forma textual que pudesse servir de exercício da escrita em temas tão variados.
Esses temas vão do cinema à literatura, da poesia ao teatro, do fato observável à noção vaga dele, de escritores a cineastas com seus livros e filmes, reclamando, pelo menos de mim mesmo, uma palavra, um olhar, um parecer, tudo movido pelo entusiasmo de pertencer à grande confraria formada por aqueles que se dedicam ao ofício de veicular a palavra – a palavra quentinha – desde cedo nas bancas, “postada” num canto de página impressa esperando aflito o seu leitor – poucos – tão cativos e sinceros.
Eis que agora esta palavra procura um outro canto para se instalar, no inominável ciberespaço!
Nas postagens que se seguirão, o olhar enviesado, às vezes crítico, às vezes demasiado ingênuo, sobre temas tão eloquentes, mas premidos e espremidos nas 60 linhas de um ilimitado desconforto de síntese.
As crônicas infringentes saíram do meu cotidiano de observador distraído, professor e leitor quase voraz do que me cai às mãos. É o olhar de quem confia na palavra como veículo de esclarecimento e concórdia, mas, sobretudo, de alerta às coisas do mundo.
Boa leitura a todos e todas.