A vida pública na Berlinda
Sérgio Arruda de Moura 24
de janeiro de 2019
|
N
|
ão
é mais novidade o poder que tem hoje a mídia propagada pela internet e a
fabulosa cultura que ela vem criando. Hoje, o grande olho mágico, instalado nos
i-phones, construirá a civilização do futuro. O futuro, então, já
começou.
Hoje, um cidadão só fica à deriva dos acontecimentos se for do
seu agrado. Também não pense o cidadão candidato a um cargo público que a sua
vida vai ser fácil. Que o diga o clã Bolsonaro, que está encarando, e
muito mal, o inferno na terra. Arrogante e presunçoso, ungido por votos, o clã
e seus apaniguados pensaram ter chegado ao Nirvana político brasileiro onde,
até recentemente, não se precisava dar satisfação alguma dos atos. Mas,
eis que, tão poderosas quanto eles próprios e o STF, irrompem com todo vigor na
cena política uma senhora escrachada chamada Opinião Pública, além de uma
garota impertinente chamada Ideologia.
Quanto mais elas são negadas, mas aparecem. A tal Ideologia é
tão impertinente e intransigente, que aparece mesmo quando não é chamada nem
suposta. Com seu viés, assume a carga maior de tudo quanto o presidente tenta
dizer e não consegue, com seu léxico de ginasiano em recuperação em todas as
matérias.
Assim, na boa, finalmente um analfabeto funcional chegou ao mais
alto posto da nação. E foi Opinião Pública quem assim quis, auxiliada pela
Ideologia, no mesmo dia em que se embriagaram de tal forma que até hoje
procuram se recompor, tentando entender o que houve.
A inocência sórdida que o presidente quer marcar sua imagem
nesta viagem a Davos saiu como um tiro no pé, e ele volta ainda mais manchado
do que foi. A cena do rapazinho humilde almoçando num bandejão enquanto 60
chefes de governo discutiam rumos para as nações não deixa duvida: não é só o
presidente que não sabe onde está! É toda a comitiva, o ministério inteiro,
seus assessores, sua bancada no Congresso, todos quantos não viram na cena
patética um atestado déficit cognitivo. A presunção de poder quando se ausentaram da
coletiva à imprensa assim se confirma.
O governo hoje se parece com o live show Big Brother,
no qual desconhecidos fazem de sua vida íntima uma vitrine tentando com isso
algum dividendo lá adiante, na ilusão de que suas opiniões, seus gostos, suas
falas são espontâneas, livres, sinceras. No final, voltarão ao anonimato que
tanto odeiam e do qual querem se livrar hipotecando, às vezes, até a
própria dignidade.
Já sabíamos, mas agora sabemos de fato, que o então
candidato Bolsonaro em campanha, fugia de sua própria burrice e
ignorância. O apego retórico a frases reincidentes e vazias já que ele agora
tem de falar alguma coisa, qualquer coisa quando confrontado publicamente, dá a
ideia exata de outro dos seus analfabetismos, o político. Toda a
responsabilidade de seu "governo" está nas mãos do triunvirato Guedes-Moro-Veles,
sendo que ao próprio só sobrou o posto de rainha da Inglaterra ou do príncipe
Hiroito, que quando saem à rua, só precisa acenar, de boca fechada. O
alienado, quando a abre, constrói frases tão contraditórias quanto ele. Quando
espremido em Davos pelo entrevistador, ele soltou a seguinte lorota de sua
bolsa coletora: "Em pouco tempo, fizemos um retrospecto do futuro do
Brasil".
Sorte ingrata, ou aqui se faz aqui se paga, nem à rua este nosso
governante terá coragem de se expor. Os últimos bolsomínions nos pedem pra
torcer pra que seu governo dê certo, se não por cada um, pelo menos pelo bem
coletivo que é o Brasil. Respondo que torço pela Mangueira, pelo Náutico e pela
Pitombeira dos Quatro Cantos, de Olinda. Que não é de torcida que o país
precisa, mas de um plano minimamente inteligível, de uma agenda
pública, de uma ação transparente e de vergonha. De soberania.
Boa parte do seu staff
vive pendurado em gafes monumentais, por ministros que parecem terem lido só a
Bíblia – e mal. Que levaram para a vida pública suas pequenas misérias como se
padrão fosse. Que zombam da ciência como se dela prescindissem. Que
provavelmente acham que o milagre da medicina hoje fosse de inspiração bíblica
e não científica. Que um avião e uma sonda exploratória espacial fossem
resultado de alguma deixa exarada das Escrituras. Que a nanotecnologia foi
soprada da boca de anjos. Enfim, mas não finalmente, que nada houve de
relevante desde quando os profetas se retiraram das narrativas de fundação da
cultura hebraica.
Com livros de autoajuda não se constrói um governo, nem com
ódio, nem com intolerância. Mas isso, o atual governo não sabe ainda. A
ideia de comando político que cada um construiu para si está aquém da civilização.
Já retrocedemos para bem além da Idade Média, minha querida Idade Média,
quando a liberdade de pensamento e criação foram germinadas, quando a igreja
foi gentilmente convidada a cuidar dos seus próprios assuntos e não do Estado.
O bom de tudo-isso-que-aí-está é o aprendizado que, fatalmente,
se construirá. Menos para quem não quiser, evidentemente, quem se magoar
profundamente e decidir se manter firme na alienação política só para não dar o
braço a torcer. Não vejo hipótese de algo de bom florescer a não ser uma
consciência crítica e política que haverá de ser construída a duras penas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário