quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Ouro do Olimpo


N
em bem a primeira medalha saiu nesses jogos olímpicos do Rio, e os memes nas redes começaram a pular. Em um deles, Temer liga para Rafaela Silva para lhe parabenizar pelo golpe – golpe sobre a judoca mongolesa que, em 4 minutos, lhe conferiu a primeira medalha de ouro. Em outra piada, se diz que o PT mandou eliminar dos jogos todas as modalidades esportivas em que se ganha por golpe. Mais memes apareceram, mas não apenas isso. A menina da Cidade de Deus, Rafaela Silva, não teria precisado de cotas, nem disso, nem daquilo – só do seu empenho, talento, determinação. E respeitar as regras do judô, desrespeito acidental que lhe custou a desclassificação em Londres, há 4 anos, e que lhe rendeu muito desestímulo.
Meu cunhado, petista até os dentes, tratou de relacionar a medalha da judoca a uma bolsa atleta federal, criada por Lula. Sem essa ajuda, a medalha não teria vindo. Sua prima, que é antipetista até os ossos, acha que foi o acolhimento no projeto Reação (ops!), do ex-atleta Flávio Canto para que ela recuperasse a carreira. Mas também foi mérito do seu abnegado técnico, que atuou de forma decisiva. No final, uma medalha é resultado do esforço de uma equipe inteira. No caso brasileiro, nem sempre de uma política nacional decisiva para os esportes.
Tal contenda me trouxe à memória o valor que tem uma medalha, principalmente no plano político das nações.
As Olimpíadas nos anos 60 a 80 provam bem isso. A antiga União Soviética via na conquista de uma medalha a supremacia da ideologia socialista no plano mundial. Cada medalha tinha um vínculo sanguíneo com doutrinas ideológicas. Os EUA, em contrapartida, se esmeravam na profissionalização dos seus atletas e também lucrava ideologicamente. Basta lembrar, que o mútuo rancor era tanto, que os jogos de 1980, tendo se realizado em Moscou, não viu um só atleta americano – boicote total. Em revanche, as de 1984, em Los Ângeles, não viu um só soviético, embora os atletas das demais nações comunistas como Alemanha Oriental, Romênia, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Polônia e sua vizinha Cuba não faltaram e deram o recado da supremacia física e moral de virtuosos atletas engajados.
O mundo naquelas duas décadas era emoldurado pelos conflitos – os falsos e os verdadeiros – da chamada Guerra Fria, originada do estranhamento das duas únicas potências de então: os americanos e o capitalismo de um lado, e a União Soviética e os países da Cortina de Ferro e o socialismo de outro. E foram os socialistas que saíram vitoriosos no quadro geral das medalhas.
Em Montreal, por exemplo, em 1976, do total de 433 medalhas (de ouro, prata e bronze) conferidas, 321 ou 74% foram conquistadas por eles.
Já nós brasileiros, sempre ficamos em tímidas posições, lá pela 20a posição no ranking da tão sonhada e desejada dos atletas.
A história política, digamos assim, dos jogos, é repleta de acidentes trágicos, negando o espírito olímpico sonhado pelo Barão de Coubertin, o responsável pela reinserção dos jogos na era moderna, remontando ao sonho grego de harmonização entre os estados.
Em 1972, o fantasma do terrorismo deu o tom políticos aos jogos, em Munique, na Alemanha Ocidental. Na madrugada de 5 de setembro, guerrilheiros palestinos invadiram os apartamentos dos atletas israelenses e os fizeram reféns. Em troca exigiam a libertação de palestinos presos em Israel. O saldo trágico foi de 17 mortes, dos quais cinco atletas, além de seis treinadores, um policial e cinco membros do atentado que ficou conhecido com Setembro Negro.
As Olimpíadas de Berlim, em 1936, também foram violentas, embora uma violência mais simbólica do que cruenta. Adolf Hitler era o chanceler da Alemanha e queria com os jogos mostrar a uma só vez o poder da Alemanha e a supremacia da raça ariana. Mas também tinha que mostrar que o partido era bom, tolerante, essas coisas que se faz com pancake e gomalina. Para remover as marcas do caráter racista, não só Berlim, mas toda a Alemanha foi “higienizada” por iniciativa do partido do governo, que prontamente mandou cessar as campanhas antissemitas mais visíveis. Até aceitou judeus nos seus quadros de atletas. O golpe mesmo foi desferido quando o atleta negro americano Jesse Owens, descendente de negros escravizados não só abateu a suposta supremacia de velocistas arianos, como bateu recordes.
Enfim, os jogos olímpicos, nas cidades onde ocorrem, costumam deixar saldos positivos, tais como melhorias, benfeitorias, mobilidade, transporte, ginásios e estádios, que se transformam depois em escolas, além do sentimento de ter mobilizado tanta gente em torno de uma causa civilizatória e hospedar a diversidade cultural e política do mundo, num esforço também de paz.

Esperamos sinceramente que tudo isso venha como saldo positivo nestes Jogos no Rio de Janeiro, já na sua primeira semana. Que o ouro do Olimpo nos dê dignidade. 
(Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, RJ, 12 de agosto de 2016)